Pugilista tetra mundial passa a carreira a limpo, agradece Whindersson por ajudar a impulsionar “capítulo digital” de sua trajetória e faz alerta ao artista: “O problema são as pessoas que o cercam”
Acelino “Popó” Freitas chega para a entrevista como nos áureos tempos de campeão mundial de boxe, com sua entourage. Ao lado de treinadores e companheiros de treino, aos 49 anos ele parece distante de uma natural aposentadoria. E, de fato, o tetracampeão mundial de boxe não tem assunto para falar só no passado, mas ainda no presente é dos nomes mais conhecidos da história do esporte brasileiro e capaz de atrair novos públicos – agora em lutas com celebridades.
Popó recebeu a equipe para a gravação do Abre Aspas, quadro do ge, na academia que montou em Itapema, Santa Catarina. É ali que se prepara para participar pela sexta vez do Fight Music Show, evento que une entretenimento e luta. Hoje sócio do evento, o lutador baiano já enfrentou Whindersson Nunes, Kleber Bambam, José Pelé Landy, Jr. Dublê e Jorge “El Chino” Miranda. Na próxima semana, dia 17, encara o ator Duda Nagle.
Ao relembrar a carreira, Popó mergulhou também na infância pobre no bairro Baixa de Quintas, em Salvador. Ali, foi alfabetizado por uma vizinha e, décadas depois, chegou a ingressar na faculdade de Direito, mesmo já tetracampeão mundial de boxe e com a vida financeira resolvida: “Voltei campeão mundial e continuei dormindo no chão”.
– Posso bater no peito e falar: no esporte individual, eu sou o cara. Para fazer o que eu fiz, para ganhar o que ganhei, para viver o que vivi, onde vivi, com 23 anos dormindo no chão, passando fome numa casa de 10m², eu sou o cara!
Além das conquistas, feitos históricos no boxe e os reconhecimentos após o primeiro título mundial em 1999, Popó também lembra de algumas revoltas, como os primeiros contratos com empresários e até uma prisão em Las Vegas por conta disso. Popó também revela uma quase luta com Floyd Mayweather.
Sobre a fase atual, Popó fez questão de destacar a importância de Whindersson Nunes em sua vida depois que o comediante incentivou o público a seguir o lutador após se enfrentarem. O tetracampeão mundial também demonstrou preocupação com a saúde mental do influenciador e fez um alerta ao artista sobre as pessoas que o cercam.
– Quando ele falou em cima do ringue: “pessoal, vamos seguir o nosso campeão Popó”, em dez minutos foram dois milhões de pessoas me seguindo no meu Instagram. Então, é o cara que digo que vou agradecer para o resto da vida. (…). Acho que não é nem um problema do Whindersson Nunes, que para mim não tem nenhum problema, acho que o problema tão grande dele são as pessoas que o cercam.
Ficha técnica
Nome completo: Acelino Freitas
Nascimento: 21/09/1975 (49 anos), em Salvador (BA)
Profissão: Lutador de boxe
Principais conquistas: Tetracampeão mundial de boxe, em duas categorias: pesos super-pena e leve; Supercampeão mundial unificado de boxe, em duas organizações: WBO e WBA;
Destaques: 10 defesas consecutivas de cinturões de títulos mundiais; 5 anos consecutivos de invencibilidade, após a conquista do primeiro título mundial; 43 lutas – 41 vitórias, 34 delas por nocaute; recorde de 29 nocautes consecutivos – uma das maiores sequências da história do boxe mundial; eleito o Lutador do ano de 2003 pela WBA.
– Quatro vezes campeão mundial. Fiz 29 lutas consecutivas com nocaute, batendo recorde de Mike Tyson. Supercampeão da Associação Mundial de Boxe e da Organização Mundial de Boxe. Eleito, em 2003, melhor atleta do mundo em todas as categorias pela Associação e Organização Mundial de Boxe. Até no Conselho Mundial de Boxe tenho um cinturão de campeão mundial honorário. Apesar de nunca ter lutado por esse cinturão, eles reconheceram (minha importância) e me mandaram. Hoje, no esporte individual, digo a você que não ganhei um título mundial, ganhei quatro títulos mundiais aqui, nesse país. E fiz tudo que você imaginar, bati recorde de tudo e conquistei tudo. Posso bater no peito e falar: no esporte individual, eu sou o cara. Para fazer o que eu fiz, para ganhar o que ganhei, para viver o que vivi, onde vivi, com 23 anos dormindo no chão, passando fome numa casa de 10m², eu sou o cara!
Você chegou a trocar farpas com Éder Jofre pelos jornais na época em que lutava, depois que ele fez comentários sobre uma luta. Depois, se reconciliaram no programa “Bem, Amigos!”, no sportv. Vocês se resolveram?
– Com Éder não foi nem desentendimento. Fiz uma luta, e ele fez alguns comentários, e que na verdade, independente da vitória ou derrota, a gente quer ser elogiado. Principalmente por quem conhece do boxe. E naquele dia ele não fez uma observação muito boa, aí dei uma retrucada. Mas depois a gente se arrepende e fala: “pô, você é nosso Galinho de Ouro”, e a gente esteve no ‘Bem, Amigos!’ e deu um abração. Mas não foi nada de um agredir o outro verbalmente. Foi porque ele fez uma observação e eu não enxerguei da forma que deveria enxergar. Acho que foi mais pelo meu lado do que do dele. E é normal quando o cara é comentarista fazer os comentários da forma que ele vê, e não da forma que a gente quer que seja. Mas acho que foi mais erro meu. Depois a gente foi lá e humildemente pedi desculpas.
Como foi sua relação com outros ídolos do boxe brasileiro que vieram antes de você? Teve proximidade com Maguila, Servílio de Oliveira e Miguel de Oliveira?
– Tive a oportunidade de fazer um comercial com Maguila e foi muito engraçado. Até hoje lembro o texto todo, até o de Maguila lembro. Servílio de Oliveira sempre tive um carinho muito grande, nosso primeiro medalhista (olímpico), de 1968. Miguel de Oliveira sempre tive um carinho, um doce de pessoa, que Deus o tenha. Nosso campeão mundial em 1975. Quando eu estava nascendo, Miguel de Oliveira estava sendo campeão do Conselho Mundial de Boxe. Depois que veio, depois de muitos anos, em 99, o Popó campeão mundial. E tive oportunidade de ser comentarista das medalhas (olímpicas) de Robson e de Hebert Conceição. Tive a oportunidade de fazer também a medalha da Bia (Ferreira). Tem muita gente boa, tem muita gente que vive do boxe, que mudou sua vida através do boxe, e a gente tem que enaltecer essas pessoas, porque é difícil. Ainda mais você sendo lutador aqui no Brasil. Tem que gostar e ser apaixonado pelo boxe, porque viver da luta aqui no Brasil, você pode até viver dando aula, fazendo seus corres, mas viver de lutador aqui no Brasil para receber até um Bolsa Atleta é complicado.
Antes dos principais títulos, queria falar da medalha de prata no Pan de Mar del Plata, em 1995. Foi sua primeira grande conquista, mas seu objetivo na Argentina era outro.
– Já tinha pego alguma experiência no boxe olímpico, acho que 85 lutas amadoras mais ou menos. Cheguei a ser campeão paulista pelo São Paulo Futebol Clube, participei dos jogos Verão Vivo, fui campeão brasileiro amador, em 1994, no Ibirapuera, e daí fui convocado para a seleção brasileira para disputar os Jogos Pan-Americanos de Mar del Plata. Tinha feito três lutas e ganhei as três por nocaute no Ibirapuera. (Na final do Pan) perdi por um ponto para o cubano Julio Gonzales (…). Ganhei 100 dólares da Confederação Brasileira (de Pugilismo), pedi mais 100 dólares ao seu Bernardo, e tinha mais 100 dólares que o São Paulo me deu, e aí comprei um vídeo cassete, que era o meu sonho, assistia às gravações das minhas lutas. Era um de 4 cabeças que lembro até hoje, era o meu sonho. Quando entrei na Argentina, que a gente passa pelo free shop, a gente já fica doido. Falei: quando voltar vou comprar esse vídeo cassete! E o dinheiro realmente foi para o vídeo cassete só para assistir às minhas lutas numa televisão de 14 polegadas lá em Salvador.
Dava para imaginar que quatro anos depois seria campeão do mundo? Chegou antes ou chegou depois do que imaginava?
– Tudo tem seu tempo. Lembro que quando comecei a treinar com 12, 13 anos, escrevia no meu caderno: ‘Popó, campeão mundial’. Assinava para treinar meu autógrafo. Então, foi algo que desejei, que imaginei, não era “será que vai dar certo?”. Não, vai dar certo. Não tinha como não dar certo. Não tinha o ‘será’ na minha vida. Vai dar certo! Para você com 12, 13 anos treinar o seu autógrafo e escrever no seu caderno ‘Popó, campeão mundial’ era porque tinha algo que me preparava. E todas as vezes que treinava muito, tinha pessoas na academia que falavam: “rapaz, você é fora do normal, você vai ser campeão mundial, olha esse treinamento que você fez hoje! O cara era mais pesado que você e você conseguiu derrubar. O tamanho da luva de 18 onças e você conseguiu derrubar!”. Então, isso tudo foi me influenciando, me incentivando, me motivando a fazer cada vez mais o que eu fazia. Treinava de domingo a domingo, corria todos os dias. As pessoas falavam que eu era maluco porque gostava de correr de agasalho. As pessoas gritavam: “vai, seu maluco!” Levantava o dedo (acenando). As pessoas falavam e eu falava ‘ok, vamos nessa’, e me tornei quatro vezes campeão mundial de boxe. Todas as pessoas falavam que eu era maluco.
Em agosto de 1999, você conquistaria seu primeiro título mundial, um nocaute avassalador no primeiro round contra Anatoly Alexandrov, pelo cinturão super-pena da Organização Mundial de Boxe. Era a realização de um sonho?
– Primeiro era uma casa fiada que eu ia pagar, estava pensando nisso (risos). Comprei uma casa fiada, não comprei uma casa e paguei. Comprei uma casa e entrei sem pagar dois meses antes da luta. Se não me engano, em 14 de julho de 1999, a gente entrou na casa, para depois da luta voltar e pagar. Tipo assim, a casa foi R$ 25 mil, e eu achando que ganharia uma fortuna para ser campeão mundial, via todas aquelas histórias de (Mike) Tyson, os carrões, aquela grana toda! Que nada, ganhei R$ 20 mil por ser campeão mundial. A divisão era muito grande, eu não sabia que levava 25% de tudo que ganhava. E a casa era R$ 25 mil. Tenho um amigo em São Paulo chamado seu Armando Leite, e ele me ajudou com R$ 5 mil. “Toma aqui baiano, R$ 5 mil, vá lá mobiliar sua casa”. Voltei campeão mundial e continuei dormindo no chão, e depois que ele me deu os R$ 5 mil, uma ou duas semanas depois, pude comprar uma cama para mim e dar uma cama melhor à minha mãe. Os móveis que tinham na casa de 10 metros quadrados cabiam na cozinha, que era o bujão, a geladeira e o fogão. Então, a gente continuou dormindo no chão. Mas Deus foi tão bom comigo que até amigo me presenteou para comprar os móveis da casa.
Depois do título mundial, você chega em Salvador com direito a desfile em caminhão de Bombeiros e aeroporto lotado, como foi aquele momento?
– Sempre falo que Deus me preparou para todos os momentos na minha vida. Esse foi um dos momentos que Deus mais me preparou (choro). Acho que naquele dia ali foi que Deus falou assim: “calma, pé no chão, que vou te dar muito mais do que isso. Esse é só o começo”. E Deus me preparou psicologicamente de uma forma tão especial que não ganhei só um título mundial, ganhei quatro. Então, se naquele dia, quando desci no aeroporto e vi milhares de pessoas, eu em cima do carro de bombeiros, vendo todo mundo na rua (choro) cumprimentando, falando… E aquilo para mim não era achar o sobrenatural, anormal, ali foi tão normal pelo que fiz, pelo que conquistei, e falo: sei que posso mais. Sei que posso dar mais alegria. E aí me preparei mais, treinava muito mais, porque tinha que manter meus títulos mundiais. Tanto que esse primeiro título defendi 12 vezes, e na minha décima defesa ganhei outro cinturão de supercampeão. E fui campeão mundial unificado da Organização e Associação Mundial de Boxe. Então, não era só aquilo que Deus preparava para mim. Se fosse só aquele momento, certeza de que aquilo tudo subia para a cabeça, era festa, droga, tudo que você imaginar, porque isso tudo era muito perto de mim. Lembro que uma vez, quando conheci a mãe de Popozinho, Eliana, a gente nem tinha dado um beijo, e ela tinha me levado na casa de um amigo depois de uma festa. Vi que um cara foi lá e acendeu um cigarro de maconha, e a primeira coisa que fiz foi ir embora. “Não quero mais ficar aqui, vou embora”, e fui embora. No outro dia, ela falou: “não sabia, conhecia pouco o pessoal lá que a gente foi, quero te pedir desculpa, mas parabéns pela sua atitude, você mostrou que é um verdadeiro atleta” (…).
E a primeira defesa de título em Salvador, menos de três meses depois, na Fonte Nova. No segundo round você nocauteia Anthony Martinez. Deve ser uma experiência mágica lutar na sua cidade, num evento tão grandioso, além de muita pressão.
– Lutei com 45 mil pessoas na Fonte Nova, e pela primeira vez você está no ringue no Brasil e olha para o lado e vê todo aquele glamour de gente famosa ali embaixo. Você olha para o announcer no ringue e encontra Léo Batista. E eu tinha obrigação de realmente fazer uma grande festa para aquele pessoal que me recebeu na rua de (carro de) corpo de bombeiros. E foi mais um nocaute. E foi engraçado que lutei com 11 pontos no rosto. Treinando, levei um corte no supercílio, 15 dias antes da luta. Tive que tirar os pontos e fazer uma maquiagem. O pessoal foi fazer toda a minha revisão médica para saber se estava apto a lutar e tinha que fazer uma maquiagem para mostrar que não estava cortado. Tanto que se vocês colocaram bem devagar (a imagem da TV), quando o árbitro vai para fazer assim (com os braços) para acabar a luta, ele (Martinez) me dá um toque. Esse toque bate onde? No local que abriu o meu rosto. E o que desce de sangue não é brincadeira. Na época, o Raulino no meu córner tentando limpar, e foi uma coisa que ninguém viu. O pessoal da Globo não percebeu, ninguém falou nem em sangue. Mas teve muito sangue naquele dia, só de um toquinho que o nicaraguense deu. Até isso lutei, com a cara arrebentada em minha primeira defesa no Brasil.
Em janeiro de 2001, você nocauteia Orlando Soto em Brasília e chega a 29 nocautes seguidos na carreira. Ser nocauteador acredita que tenha sido decisivo para fazê-lo ter todo esse reconhecimento?
– O fato de ser nocauteador me ajudou muito, principalmente lá fora. Como que você chega fora do Brasil, quem você é? Você nocauteou quem? Vou para um torneio lá (nos EUA) em 97, chamado Boxcino, que era boxe dentro do cassino para revelar novos talentos. Faço três lutas e nocauteio um americano no primeiro round, nocauteio um panamenho no oitavo round, e nocauteio um porto-riquenho no sétimo round. Assinei contrato com um empresário americano e as próprias televisões americanas já ficaram com um desejo de ficar comigo também, e assinei contrato com a Showtime, porque era o cara do nocaute. Isso me ajudou muito lá fora. Neymar é um craque no futebol, dá os dribles bacanas, mas se não fosse o Neymar de gol, não seria completo. É a mesma coisa no boxe. Você boxear bem e não nocautear, não adianta.
Em janeiro de 2002, você faz uma luta de unificação de título dos super-penas com o campeão olímpico e mundial Associação Joel Casamayor. Você vence na decisão, com um knockdown controverso e um golpe ilegal do cubano. Foi a luta que mudou seu patamar financeiro?
– Na verdade, comecei a ganhar dinheiro quando encerrei com o pessoal daqui do Brasil, com a Oficina de Ideias. Fiz uma luta contra Alfred Kotey, que quebrou meu ciclo de nocautes. Tinha 29 lutas e 29 nocautes, e quando lutei com ele ganhei por pontos e já recebi uma bolsa boa. Já tinha um mínimo ali de 500 mil dólares de bolsa. E eu tinha as pessoas que trabalhavam para mim, passei a ser meu empresário. Passei a tirar 10% de tudo que ganhava e pagava para a pessoa que gerenciava minha carreira. Então, não ganhava mais 25%, passei a ganhar 90% de tudo que negociava. E aí vem as coisas mais difíceis, que você já passa para outro patamar de defesa. Daí vem a unificação com um cara campeão olímpico em Barcelona-92, campeão mundial da Associação Mundial de Boxe, com 36 lutas e 36 vitórias, invicto, e canhoto – que é muito mais difícil lutar com canhoto – que é o Joel Casamayor. A gente fez a unificação e foi uma luta de 12 rounds, levei 45 pontos no rosto, uma luta duríssima. Ganhei por decisão unânime e me tornei campeão unificado da Associação e da Organização Mundial de Boxe.
Numa entrevista ao jornal O Globo na época, logo no retorno dessa luta, você admite que fingiu ter sentido o golpe ilegal para forçar a perda de ponto. Faz parte do jogo?
– Fazia parte do jogo porque, quando ele me deu um golpe ilegal, foi porque dei uma apertada nele. Dei uma apertada no pescoço dele, aí ele deu um golpe ilegal, o árbitro foi lá e tirou um ponto. Mas não foi só esse ponto que me fez ganhar a luta. Quando ele caiu (num knockdown), são dois pontos no boxe profissional, e a luta estava bem parelha, e só nisso já ganhei três pontos dele. Numa luta bem equilibrada, isso são três rounds ganhos, então já ajuda muito. Mas foi uma luta muito difícil, muito pesada, era um grande lutador, um grande campeão. Tanto que o cara para quem perdi na minha primeira defesa em outra categoria, o Diego Corrales, o Casamayor ganhou. E eu tinha ganho do Casamayor. Para você ver a dureza que era o Casamayor.
Depois de várias vitórias suas, o nome de Floyd Mayweather era cogitado como adversário seguinte. Depois da luta com Casamayor, a expectativa era que se enfrentassem, por que não aconteceu?
– Não aconteceu não foi pelo motivo de negociação da minha equipe. Foi, na verdade, da parte dele. Quando lutei com Casamayor, ele foi na coletiva de imprensa, fez a maior zoada querendo lutar, e quando a gente foi para cima ele correu. Ele era campeão do Conselho Mundial de Boxe, e eu era campeão da Associação e da Organização Mundial de Boxe, então a gente podia unificar os cinturões também, só que não era uma luta obrigatória. Seria uma luta obrigatória se ele fosse primeiro do ranking do cinturão onde eu era campeão. Então, não era mandatória, a luta não aconteceu por isso. A equipe dele falou: “não, não vamos arriscar, o cara pega pra caramba, tem 33 lutas, 31 nocautes, a gente não vai arriscar”. Então, essa luta não aconteceu por isso, não por mim. Foi porque a equipe dele não levou a frente o que eu queria, que seria a grande luta com Mayweather. Se eu ia ganhar ou não, não sei, mas que eu ia partir pra um nocaute, eu ia. Acho que ele nunca pegou uma pessoa que pegava tanto e que sabia tanto dele como eu sabia.
Diferentemente de você, que é um nocauteador, o Mayweather sempre venceu por pontos. É um cara chato de enfrentar?
– Não digo que ele é um lutador chato, falo que ele é um lutador inteligente. Porque o cara para ter 50 lutas e 50 vitórias é um lutador inteligente. Para ter vários títulos mundiais, é um cara inteligente. Para o cara fazer fortuna no boxe e tomar soco na cabeça é porque é um cara inteligente. Então, para ser lutador de boxe não precisa ser brigador, não precisa ser pegador, mas se for inteligente consegue mudar a história de tudo. Ele conseguiu mudar. Tiro o chapéu porque esse cara é o cara do boxe. Você estar no mundo do boxe nessa década de 90, 2000, e você vem pra cá para essa época mais atual de muita grana no boxe, e ele ainda conseguir manter isso. Hoje em dia ele faz essas lutinhas de apresentação como essas que faço no Brasil e são milhões de dólares pelo nome que ele tem. Então, é um cara super inteligente. Tiro o chapéu para ele porque não é só o lutador, é também o empresário que ele conseguiu ser.
Em 2004, em agosto, vem a primeira derrota, contra Diego Corrales. Você nunca tinha vivido isso no boxe profissional. Como foi essa sensação? Na época você entendeu por que a derrota veio?
– Primeiro lembrei muito de meu pai. Meu pai falava assim: “olha, meu filho, se você apanhar na rua, vai apanhar em casa de novo”. Eu ia tomar um pau em casa se meu pai tivesse vivo! Por incrível que pareça, imaginei isso. Sabia que um dia isso ia acontecer. Estava preparado, me programando assim: “um dia vai acontecer, vai chegar alguém mais top do que eu, mais fera do que eu, vai estudar meus melhores movimentos, vai fazer a luta que ele quer”. Não é que me desestabilizei, não é que vou entrar na luta dele, é que o cara foi melhor naquele dia, é porque o cara foi o campeão naquele dia. Ele teve mérito naquele dia. Se eu falar “ah, lutei mal”, não lutei mal. “Ah, não bati”, bati. “Ah, mas você não derrubou”, não derrubei, porque o cara não caía. Teve até situação de eu dar um soco nele e depois ele falar que tomou um soco e, se eu fosse para cima podia até acabar a luta porque ele sentiu, só que ele não demonstrou, mas como ia saber? (risos) Naquele dia era o dia dele, tiro o chapéu, com muito mérito ele ganhou essa luta. Pena que ele não aceitou a revanche. Ele abandonou o título, na verdade. Foi aí que lutei pelo quarto título mundial com Zahir Raheem. A gente lutou porque o Diego Corrales abandonou o cinturão e não quis me dar a revanche.
Em abril de 2007, você sofre sua segunda derrota numa luta de unificação de títulos da categoria peso-leve, contra Juan Díaz, e o técnico jogou a toalha. Foi uma decisão acertada?
– Foi uma decisão acertada. Até os seis, sete rounds, a gente estava bem na luta. Depois, comecei a dar uma caída, ele começou a acertar muitos golpes, e meu treinador falou quando voltei do oitavo round: “olha, você tá tomando muito golpe que não é pra tomar, entra na luta”. Voltei do nono round: “apanhou mais ainda, entra na luta, não quero parar”. Quando voltei do décimo round, ele fala: “olha, não tem como, não tem como virar, você não tá batendo, não tá fazendo nada, vou parar, vou parar”. Falei: faz o que você achar melhor para a nossa equipe. Ele falou: “vou parar”. Foi uma decisão tomada entre eu, Ulysses (Pereira), que está até hoje comigo, e o saudoso Oscar Suarez – que faleceu de câncer de pâncreas. Mas foi uma conversa entre a gente, que notei que não estava fazendo o que poderia fazer, não estava na luta. O cara estava melhor do que eu, e meus treinadores falaram: “conheço você, não vou deixar você ser massacrado, você não merece ser massacrado. A luta estava boa até o sétimo round, você estava bem, estava pau a pau, mas a situação mudou. Se a situação mudou, não vou deixar você ser massacrado numa luta, não tem por quê. Sua integridade física é muito mais importante do que um próprio título mundial. Depois você vai lá e recupera”.
A gente viu Maguila morrer com Encefalopatia Traumática Crônica, conhecida como “demência pugilística”. O boxe profissional te deixou sequelas físicas ou emocionais?
– A única coisa que tive no boxe de pancada, dessas coisas todas, foi realmente os 45 pontos no rosto lutando contra Casamayor – 38 abaixo do supercílio direito, sete abaixo do olho esquerdo. Antes de uma defesa, treinando na academia, levei 11 pontos debaixo do olho. Mas graças a Deus nunca tive nenhum machucado na mão, na cabeça. Quando lutei contra o Diego Corrales, tive um rompimento bem pequeno de um vaso, mas o médico falou que acontece muito isso: “pode continuar lutando, isso não afeta nada, vamos fazer medicamento e em dois ou três dias está tudo ok”. Mas a única coisa que tive foi isso em minha vida, nada que me tirasse do esporte, que falasse “para, tá bom, não dá mais, o soco na cabeça te tirou do esporte”. Sempre fui bem orientado. Também sou um cara que não bebo, não fumo, levo uma vida muito de esporte, treino bastante todos os dias. As maiores loucuras que as pessoas fazem é dentro da academia, trocando socos todos os dias com a mesma luva que bate em saco e quer trocar socos com outra pessoa. E daí que as pessoas ficam mais loucas, mais sonadas, é dentro da academia do que na própria luta. Na luta não são tantos socos, até porque quando toma o nocaute é um golpe e acabou. E na academia são milhares de golpes todos os dias, e sempre. Raramente sinto uma dor de cabeça, graças a Deus. Dor no corpo também raramente. O dia que o boxe me der tristeza não vou falar mal dele, vou falar mal de mim, porque não soube a hora de parar.
Muita gente tentou se aproveitar da sua fama e do seu dinheiro ao longo da carreira?
– Acredito que não. Acho que nunca tive pessoas querendo se aproveitar. Acho que tive pessoas querendo surfar na mesma onda. E as pessoas que se aproximaram para tentar, foram pessoas mais que procuravam mídia. Sabe aquela mídia de ficar ali atrás? Sou um cara tão iluminado que até isso Deus tirava. O pouco que tive de pessoas querendo se aproveitar foram no passado, empresários levando 75% do que eu sabia (que ganhava). Deus me abençoou de casar com uma das mulheres mais perfeitas que já vi na minha vida, e hoje estou aqui conversando com vocês porque ela passou pela minha vida. Estou aqui dando essa entrevista porque essa mulher foi uma luz muito grande na minha vida, e que hoje considero minha melhor amiga. A gente tem 13 anos que se separou, mas através dela pude sair dessa galera, ela pôde orientar a minha vida financeira, na minha vida emocional, familiar, então fui bem orientado por ela, independente de não ter dado certou ou não (o casamento). Muita gente fala “que pena que seu casamento não deu certo”, mas deu sim, deu muito certo. Ficamos 12 anos e hoje o que sou e o que tenho foi porque aquela mulher passou pela minha vida. Acho que hoje, se parasse para agradecer alguém depois de Deus, seria Eliana Guimarães, foi a pessoa que realmente conseguiu que eu desse boas condições para a minha família. Ela me proporcionou uma boa condição de vida, não dando dinheiro, nada disso, mas me orientando com o que eu podia fazer com o meu dinheiro. Depois que parasse, o que ia fazer? Vai conseguir manter o seu patamar de vida? Vai conseguir manter a sua família? Para você conseguir manter sua família você vai fazer isso e isso. Guarda assim e investe nisso, e depois quando você parar você vai estar bem com sua família.
Em 2003, você não foi para os EUA para sua luta com Lazlo Bognar e teria preferido viajar para se reconciliar com sua ex-esposa. Vocês brigaram por conta dos problemas com seus empresários da época?
– Ela estava no Rio e eu tinha feito uma luta em agosto, foi o título mundial. Tinha feito uma luta em outubro, uma em novembro e em dezembro. Então, não tive nenhum descanso. E aí a gente teve uma pequena discussão, e ela foi para o Rio, e falou: “vem pra cá dar uma descansada, seus empresários querem que você lute de novo, mas você tem que dar uma descansada”. Os caras levavam 75% de tudo. “Não, dá um intervalozinho”, ela disse. Depois que você constrói um título mundial, que constrói a sua vida financeira, você quer dar uma respirada para curtir o que você ganhou, e eu não tive isso. Tive logo três defesas consecutivas. Tive uma luta contra o Anatoly Alexandrov, depois com Claudio Victor Martinet, depois uma com um panamenho também, na Fonte Nova, e depois em março com Barry Jones, na Inglaterra. Então, foram cinco lutas em menos de um ano, era muito. Normalmente a gente faz uma, duas por ano.
Foi sua ex-esposa que lhe chamou a atenção para conferir seu contrato com seus empresários na época do primeiro título mundial?
– Acho que ali começou tudo, porque isso foi de 99 a 2001, depois que construí um título mundial. Ela chegou e falo sobre o meu contrato, se eu tinha uma cópia. Falei: “olha, não tenho, são meus amigos, mudou a minha vida”. “Sei que mudou a sua vida, mas você tem que ter o seu contrato, você tem que saber o que é que rege seu contrato, o que você pode, o que você não pode, quais são os seus direitos, quais são os direitos deles”. “Tá, vou pedir”, e aí pedi esse contrato, e eles passaram uns três, quatro meses sem dar, e eu sempre pedindo. E depois vi que os contratos tinham cláusulas que, se eu sofresse um acidente no ringue, eles encerravam o contrato; se quisesse romper o contrato tinha que pagar não sei quantos milhões de multa; se perdesse uma luta, eles mandavam eu ir embora; e se fosse ao contrário, eu não tinha nada. Se eles quisessem romper o contrato, eu saía com uma mão na frente e outra atrás. Se sofresse um acidente no ringue, saía com uma mão na frente e outra atrás. Era um contrato super leonino, que só pensava neles, e tentei fazer um que fosse de igual para igual, de dar a porcentagem deles normal, e não 75%. Daria 50% ainda, que era muito, e eu ficaria com 50%, mas infelizmente eles não aceitaram dessa forma e veio o rompimento do contrato. E eu era muito amigo do (técnico Luiz) Dórea, e foi ele que me levou para essas pessoas – Ruy Pontes e Geraldo Brandão, que é falecido hoje, e eram esses três que falavam pela Oficina de Ideias, que era a empresa que gerenciava minha carreira. Não pedi para romper o contrato, pedi para ajeitar, pedi para a gente avaliar e dar as porcentagens que eram devidas, só que eles não aceitaram 50% e só queriam 75%. Fui para o rompimento de contrato, eles recorreram várias vezes, perderam nas instâncias e graças a Deus me livrei desses caras através da Justiça.
Você fez as pazes de vez com Dórea? Ainda ficou alguma mágoa? Ele foi seu treinador no primeiro título mundial e em vários outros.
– Sobre mim e Dórea, para mim está resolvido, até porque o contrato não existe mais. Falo com ele uma vez ou outra, vou na academia, e meu filho treina com ele. A gente tem um respeito, mas não o respeito profissional. Tenho respeito de “foi meu treinador, passamos 11 anos juntos”. Meu primeiro título mundial foi com ele, ganhamos muitos títulos juntos. A gente foi campeão brasileiro, sul-americano, interamericano, norte-americano, mundo hispânico, mundial das Américas e campeão mundial, então ganhamos muitos títulos internacionais juntos. Quando a gente rompeu, eu estava com 25 lutas, 25 vitórias, 25 nocautes. E depois a gente começou a fazer outra carreira e graças a Deus deu certo.
Você chegou a ser preso em Las Vegas por conta de toda uma confusão com essa empresa que gerenciava sua carreira?
– Tive esse constrangimento também como lutador. Na época, a Oficina de Ideias não poderia fechar nenhum tipo de contrato internacional comigo, que eu já tinha contrato com uma empresa chamada Banner Promotion. E eles fizeram com quem eu assinasse contrato com uma empresa de um mexicano chamado Maldonado. Eu não poderia lutar nos EUA, tinha que lutar na Europa. Era a minha carreira, a minha vida, meu primeiro título mundial e tinha que fazer as minhas defesas. Fiz três lutas no Brasil e mais três lutas na Inglaterra, e fui notificado pela Justiça americana de que não poderia lutar em lugar nenhum do mundo. Me chamaram para depor na corte de Las Vegas. Quando fui, a tradutora falou: “olha, ele está falando que você não podia lutar, que não era nem para estar aqui hoje, que era para que seus empresários estivessem, mas você que está aqui, então você vai arcar com a responsabilidade. Eles vão te prender, estão dizendo que vão te prender, que não era para você lutar, eles vão te prender”, e me prenderam. Me algemaram, me levaram para uma sala, uma cela, e fiquei mais ou menos três, quatro horas lá, e depois me soltaram falando que o próprio empresário, o Arthur Pellulo, com um advogado, pediu a corte para me soltar, que não era eu para estar ali, mas os empresários (do Brasil) que fizeram com que assinasse o contrato. Isso também me deu uma revolta muito grande, de parar com esse contrato. Isso me gerou um prejuízo financeiro muito grande nos EUA, tive que pagar muita grana, milhões de dólares em advogados. E aí pude ganhar dinheiro com o boxe e ajudar mais a minha família, depois que saí da Oficina de Ideias.
Família é a razão de tudo na sua vida? É seu pai que falava para sua mãe deixar você treinar; sua mãe que colocava comida em casa; seu irmão que lhe inspirou a ser lutador.
– A família foi o alvo de tudo. Do meu começo, da minha trajetória, não só como pessoa, mas como lutador. Meu pai me ensinou a ser o guerreiro e meu irmão me ensinou a ser o lutador. Meu pai me ensinou a ser guerreiro de homem macho, brabo, e meu irmão me ensinou que o esporte controlava essa brabeza. E minha mãe me ensinou a ser o provedor, que tem que correr atrás para colocar o que comer dentro de casa. Tive uma família pobre e próspera, não tive uma família pobre e que ficou ali naquela pobreza e acabou. Graças a Deus a gente era pobre, mas tinha o pensamento de gente rica. Meu pai queria que eu lutasse, minha mãe queria que estudasse, meu irmão queria que eu fosse mais inteligente no boxe. E tinha que trabalhar dobrado, tinha que mostrar meu nome dobrado, bater de porta em porta para tentar conseguir um tênis para correr, uma luva para treinar. Algumas vezes fingi até que estava com a mão machucada para ir ao hospital para enfaixar a mão e ficar com aquela bandagem, que não tinha dinheiro para comprar atadura para bater em saco. A primeira academia que fui, com 13 anos, não tinha condições de pagar 30 reais e pedi para treinar de graça. E através de uma simples oportunidade de deixar eu treinar me tornei quatro vezes campeão mundial de boxe.
Qual a importância do Luiz Claudio Freitas, seu irmão, na sua carreira no boxe?
– Normalmente, a gente falava antigamente para o filho: “quem é seu maior ídolo?” E os filhos falavam: “meu pai”. Hoje em dia, não. Você pergunta para os filhos e ele vai para o celular e fala alguns que ele assiste, algumas coisas que eles veem, que é a referência. E a culpa é da gente mesmo, mais velhos, que não trazemos a mesma referência para os nossos filhos. Sempre tive o meu irmão Luiz Cláudio (como ídolo) pelo fato de ver ele lutar. Foi cinco vezes campeão brasileiro, foi atleta profissional, já foi para as Olimpíadas de Barcelona-92, já ganhou medalha de bronze em Havana-91 (no Pan-americano). Ia assistir meu irmão lutar, me apaixonei pelo boxe, e ainda tive o incentivo de meu pai. E a desmotivação de minha mãe, ainda tinha isso do lado. Brigava para ser lutador de um lado, e brigava para minha mãe saber que eu queria ser aquilo. E ela nunca botou isso na cabeça. E até hoje minha mãe nunca concordou de eu ser lutador de boxe, mas sempre concordou que o lutador de boxe levou tudo para dentro de casa.
Luiz Claudio em algum momento teve ciúmes do seu sucesso?
– Ele sempre fala assim: “não consegui, mas consegui fazer… (choro)…consegui fazer meu irmão tetracampeão mundial de boxe”. Então, orgulha a gente também. Incentiva do outro lado. Meu irmão começou primeiro que eu, teve várias oportunidades, teve tudo, e não conseguiu estar onde estou. Isso podia ser motivo de frustração para ele, mas vejo que ele tem isso como orgulho. E fala: “consegui junto com minha equipe tornar tetracampeão mundial de boxe. Então, me considero campeão mundial de boxe”. E ele, verdadeiramente, é um campeão mundial de boxe, porque suportou tudo. A pior fase da família foi ele que pegou. Meu irmão dormiu no chão, dormiu debaixo de escada, sofreu muito, meu irmão sofreu agressão dentro de casa. Tudo que você imaginar, meu irmão sofreu. Viu muitas coisas na rua onde fomos nascidos e criados, e ele segurou a onda: “vamos mostrar que a gente não é campeão só dentro do ringue, vamos mostrar que a gente é campeão também fora dos ringues. Vamos construir a nossa história dentro e fora do ringue como família, como irmão, como amigo”, tanto que desde que comecei a lutar a 35 anos e meu irmão está comigo até hoje (…).
Dona Zuleica, conhecida pela feijoada após as vitórias, é uma mulher muito importante na sua vida. Você dizia que seu maior desejo ao conquistar algo era dar uma casa a ela.
– Lembro que quando ela começou a fazer a feijoada, que a gente começou a se apaixonar pela feijoada, foi muito antes de fama, muito antes de sucesso. Minha mãe fazia o feijão domingo e ia até quinta ou sexta a feijoada, que ela fazia um panelão, e muitas das vezes a gente não sabia e mexia, tentava comer, roubava o feijão de noite e azedava. Ela tinha todo o cuidado para tirar aquela parte azeda, amarela. Ou botava batata, algumas coisas para chupar aquele azedo, porque era aquele feijão que fazia para durar muito tempo. Aquele feijão que ela fazia só com a calabresa, com pedacinho de carne salgada para dar um gosto no feijão, e graças a Deus o boxe melhorou tudo isso. A gente conseguiu um dia fazer uma feijoada que realmente valesse a pena e digna de um grande campeão. A feijoada que a gente revelou para o mundo todo, que a minha mãe fazia, que todas as vezes que eu acabava de lutar vocês iam lá e a câmera em cima da feijoada.
Seu Babinha foi um grande incentivador. Mas como era conviver com esse pai que bebia e ficava violento?
– A gente passou a perceber quando saímos da criança para a adolescência, e a gente começava a perceber a mudança de temperamento de meu pai quando bebia. Porque quando meu pai não bebia, era um doce de pessoa, era um paizão, um cara presente, era o brincalhão. Mas quando bebia, meu pai era uma pessoa superviolenta, mudava o temperamento. E a gente morava numa casa de 10m quadrados e nem janela tinha, era a menor casa do bairro onde a gente foi nascido e criado. Lembro que meu pai jogava do outro lado da rua um fogãozinho de querosene que a gente tinha, quebrava a casa toda, era espelho, tudo que tinha na casa. E minha mãe guerreira, na paciência dela, no amor que ela tinha a meu pai, que era um amor que ultrapassa todos os limites de todas as intolerâncias, de tudo que você imaginar, de agressão, de tudo. Meu pai tem 23 anos que faleceu e até hoje minha mãe fala com meu pai de uma forma muito linda, porque ela não guarda as coisas que ele fez de errado, e é isso que a gente guarda de meu pai, as coisas boas que ele fazia, a educação que ele tinha, a pessoa que ele era. A gente não guarda aquele bêbado, aquele cachaceiro, que chegava movido a álcool e era um cara violento.
Você teve alguma fase de revolta com seu pai por conta de assistir e sofrer com isso?
– Não, nunca. Sempre tive o respeito do meu pai, saber quem era o meu pai, e saber que eu tinha um pai que estava acima de tudo. A gente sabia que quem era o provedor da casa era minha mãe, que saía para fazer faxina e dar o que comer dentro de casa. Meu pai estourava tudo na bebida. Mas a gente sabia que tinha o homem da casa, era nosso orientador da casa, era nossa base da casa. Só que a gente pegava um lado da base da casa positivo. A parte negativa que ele tinha a gente tirava. Um bêbado não tem 100% de ser violento, um bêbado não tem 100% de ser uma pessoa má, ele tem os lados bons também dele. A gente não levou para o coração, minha mãe não levou para o coração. (Nem) os seis filhos que meu pai tinha com minha mãe, e os oito irmãos que tinha a 300m da nossa casa, quase com a mesma idade que a gente. Tenho 16 irmãos, dez de parte de pai, e até isso minha mãe sofreu também, que meu pai tinha outro relacionamento perto de casa. Lá tem oito irmãos muito parecidos com a gente.
Você passou a carregar uma família inteira junto contigo. Como foi essa pressão? Era mais de dez pessoas dependendo de você.
– Pressão? Pressão era para os caras que sofriam dentro do ringue quando eu descontava tudo (risos). Ali que era pressão, quando eu ia para cima de cada um e falava: “meu amigo, tenho que pagar as minhas contas, tenho que encher minha geladeira, tenho que ajudar minha mãe”. Então, a pressão maior quem tinha eram meus adversários, porque nunca encarei isso como pressão. Sempre encarei como uma realidade. Minha realidade é essa, vivo essa realidade, ajudo minha família até hoje. Não pense que é naquela época de 99, do primeiro título mundial, e depois acabou. E não é pouco, não. Só de neto minha mãe deve ter uns 22, é muita gente! Tenho um filho que se formou agora em medicina, tem outro que estuda nos EUA, tem um que mora em São Paulo, e fora os irmãos. Apesar de ser o filho caçula, eu que sobressaí da minha família. Meus irmãos têm carro porque dei, meus irmãos têm casa porque dei. Se não tivesse proporcionado isso, será (que teriam)? Pode até ser, eles trabalharem, correr atrás, mas não teria a vida que dou a eles hoje. O que possa ajudar minha família, o que posso promover para eles de lugares bons, toda semana minha família está na minha casa, todas as festas de ano são feitas lá em casa, trago todo mundo para mim. A academia que meu irmão tem, eu que montei, a casa, tudo sou o provedor da casa até hoje. Para mim nunca foi um peso, sempre foi uma bênção. E sempre que ajudo, Deus me dá mais ainda.
Você tem seis filhos, todos homens. Yago, só a partir da sua luta com Whindersson, decidiu seguir seu caminho na luta. Por que acha que eles não seguiram seu caminho logo de cara?
– Posso te falar isso com toda firmeza. Você chegar (em casa) com 45 pontos no rosto, com boca partida, olho roxo, mão machucada, os filhos olhavam e falavam: “não quero isso pra mim, não, meu pai, deixa eu estudar” (risos). E hoje um é médico, se formou em dezembro. O mais novo, Acelino Popó, estuda business nos EUA. Yago começou a lutar agora depois da luta com Whindersson Nunes, ele pegou gosto depois de velho, com 23 anos. Igor estava trabalhando comigo, depois pegou outro caminho e está seguindo a vida dele. O Rafael mora em São Paulo, tem a família dele e trabalha. O Gustavo mora em São Paulo também e é digital influencer, youtuber, tem quase 200 mil pessoas inscritas no canal dele. Fala sobre inteligência, comportamento mental, é totalmente diferente do pai. Cada um seguiu a sua vida. O mais novo está com 19 anos e o mais velho com 33. Está tudo bem encaminhado, tudo bem certinho, e graças a Deus sou tão inteligente que fiz um médico para cuidar do velhinho aqui (risos).
Em 2017, vira notícia que Juan, seu filho, se assumia homossexual. Para um cara que vive num mundo muito machista, do esporte e da luta, como lidar com isso?
– Por incrível que pareça, o conselho que dei a ele foi de pai e amigo, pelo fato de conhecer todo tipo de pessoas, o comportamento, e a forma de abordar um carinho na pessoa do mesmo sexo que ele. A minha preocupação maior era se ele era o ativo ou passivo (risos), mas é tudo brincadeira de pai. Independente da orientação, falei: “seja feliz, vai lá e viva a sua vida”. Só peço uma coisa: você quer ser o quê? “Meu pai, quero ser médico, segura a onda pra mim?” Seguro, vai lá. E se formou em dezembro. Então, como é que vou reclamar, como é que vou falar, como vou opinar de uma orientação sexual do meu filho? Não tenho por quê. Vai cuidar de saúde, vai cuidar de pessoas. Então falei para ele: “filho, seja feliz. Vai lá e se divirta. Agora, se for fazer, faça com amor” (risos).
Juan se formou recentemente como médico. Um Freitas que é médico, que tem um avô anotador do jogo do bicho, uma avó que foi doméstica, um pai que até 23 anos dormia no chão de um cômodo com toda a família. Foi emocionante?
– Ah, foi! Porque ali vem tudo. Tinha muita gente formando também, aí as pessoas falam assim: “queria chamar aqui o pai tal”, a gente olhava para o lado, (pai) médico. O outro, (pai) doutor. O outro, (pai) empresário. Eu olhava para o lado de cá, um lutador de boxe da Baixa de Quintas (risos). Tá vendo, a gente conseguiu, a gente venceu. E eu falei: “filho, conseguimos, viemos lá de baixo. E o único que você reparar aqui que não tem família que o pai ou foi prefeito, ou foi governador, ou foi médico, foi seu pai aqui. O único que tem certeza de que teve um avô apontador do jogo do bicho, uma avó faxineira, foi você. Então, leve a sério que você vai ser bem-sucedido”. E hoje ele está procurando ser o melhor médico, e ele está na área de emagrecimento.
Você foi eleito em 2010 deputado federal. Depois, tentou se reeleger, mas não conseguiu. Como foi a experiência em Brasília?
– A experiência na política foi boa em termos de regalia. Eu tinha uma regalia muito boa, não pagava água, não pagava luz, mas isso aí já tinha na minha casa, o boxe já tinha me dado toda essa regalia. O que eu queria na política é que ela me desse espaço para tentar ajudar o esporte. Eu na Comissão Nacional de Boxe, estava com um partido que tinha o Ministério do Esporte e eles não me deixavam nem entrar. Na época eu era do PRB, que tinha George Hilton como ministro do Esporte e eu era do partido. Isso é a política. Como você coloca um cara que era pastor para ser ministro do Esporte, sem nunca ter jogado nem uma bola?
O Fight Music Show e as lutas com celebridades são um novo capítulo na sua carreira. Isso mudou a sua vida?
– É um capítulo digital. Porque quando eu saía na rua antes da luta do Whindersson Nunes, os pais falavam para os filhos de 20 anos para baixo: “filho, Popó ali, nosso grande campeão. Você não tem ideia do que esse cara fez, esse cara derrubava todo mundo, deixava a gente de madrugada acordado, fazia uma pipoca, quando voltava acabava a luta”. E hoje em dia não. Depois da luta com Whindersson é ao contrário, os filhos falam para os pais: “pai, olha o Popó ali que bateu no Whindersson Nunes. Olha o Popó ali que bateu em Bambam”. Vim para uma era digital, que tudo hoje é digital, tudo hoje você primeiro no seu celular para depois ver na TV. E aí mudou realmente a minha vida, me colocou em outro patamar, onde pude ganhar muita grana, fazendo dinheiro com meus anúncios das minhas redes sociais. Whindersson Nunes me trouxe para uma era digital, até hoje sou muito grato a esse cara. Sou muito grato por ele reativar o boxe brasileiro, ajudar muita gente. E você vê que tem várias pessoas no mundo digital indo para a luta. Vai ter agora o Fight Music Show daqui a alguns dias e vai ter vários lutadores, o MC Livinho, o Daniel Rocha – que fez o Popó na minha série. Você tem o Minotouro voltando a lutar boxe com um cara do digital.
Vocês se falam, ficou uma amizade? Se preocupa com ele e as internações para cuidar da saúde mental?
– Vou falar um assunto aqui que nunca falei em redes sociais e para ninguém. E nem para ele. Até me ofereci uma vez: “olha, se quiser que te treine, que você gostou do boxe…” Acho que não é nem um problema do Whindersson Nunes, que para mim ele não tem nenhum problema, acho que o problema tão grande dele são as pessoas que cercam ele. Se não fossem as pessoas que cercassem ele, tenha certeza de que ele seria outra pessoa – que ele já é fora do eixo, fora do comum, mas a gente infelizmente tem que começar a observar quem que nos cerca. Será que as pessoas vão concordar com todos os meus erros? Será que as pessoas têm direito a concordar com todos os meus acertos também? Tenho que ter verdadeiras pessoas do meu lado. No dia que Whindersson Nunes olhar para um lado, olhar para o outro, o verdadeiro amigo não é aquele que só bate nas costas e fala “tá legal, tá beleza”. O verdadeiro amigo é aquele que fala e aponta onde você está errado, o que você está fazendo que não está legal. E não concordar com tudo que a gente faz. Pode ser certo ou pode ser errado, a gente tem que saber verdadeiramente quem que anda do nosso lado. Acho que esse não é um defeito dele, é uma coisa boa, ele tem um coração muito grande, mas infelizmente as pessoas que te cercam não são pessoas que querem seu bem, só querem se aproveitar de você, meu campeão. Se cuida.
Antes de começar a lutar no FMS, me lembro de declarações suas criticando essas lutas de influenciadores com lutadores de boxe. O que te fez mudar de ideia?
– O cara não é lutador, eu sou lutador, só que não luto mais profissionalmente. E de que forma posso atrair o público a voltar a ver luta de boxe bacana? Televisão tinha parado com luta de boxe. E foi uma forma para voltar a divulgar o esporte que mudou a minha vida. Você já tinha aqui um campeão olímpico, Robson Conceição, depois vem o Hebert Conceição, você vê a Bia Ferreira, Dani Ramos, campeã mundial. Você vê essa galera toda surgindo e pouca divulgação. Se passam essas pessoas na rua não reconhecem. Se fosse em outro país tinha estátua na rua, nome de rua, aquela coisa toda com essa galera, e você não vê acontecendo isso em nosso país. Vou fazer essa luta aí, e foi a melhor coisa que fiz na minha vida. Para reerguer o boxe de novo, e hoje estou aqui, montei toda essa estrutura para vir treinar em Santa Catarina, na cidade de Itapema, para mais uma luta minha, que é essa luta parecida com a que fiz contra Whindersson Nunes. Sabe o que é mais gostoso? Que no contrato quando a gente assina tem uma cláusula assim: vale nocaute. Aí treino para derrubar (risos).
Já deu para ganhar mais dinheiro nessa nova fase após a luta com Whindersson do que na época que foi campeão? Ou não chegou a tanto?
– Não, fiz meu patrimônio lá atrás! Mas dá para ganhar um dinheiro bom, dá para a gente trocar de carro, dá para gente ter um (carro) Cybertruck. É, a gente fica ousado depois de velho, dá pra gente botar um brinquinho, a gente emagrecer uns 10, 12kg, fica no shape. Rapaz, dá para ganhar uma grana boa. Hoje em dia com as casas de apostas também vem alguns patrocinadores, mas os meus patrocinadores não é porque tem televisão, é porque tem redes sociais. E agradeço a quem pelas minhas redes sociais estarem lá em cima? Whindersson Nunes. Quando ele falou em cima do ringue, “pessoal, vamos seguir o nosso campeão Popó”, em dez minutos foram dois milhões de pessoas me seguindo no meu Instagram. Então, é o cara que digo assim, vou agradecer para o resto da vida. Quando falei dele agora, não foi uma crítica com ele, foi a crítica às pessoas que estão ao redor dele. E foi para ele abrir o olho e falar “vamos peneirar aqui e ver o que que cai”. Você vai ver, vai cair uns dois, ou um. Mas é isso aí, quem me trouxe para essa era digital e me ajudou muito foi Whindersson Nunes.